Virgino adorava as telas e as mulheres que pintava.
Sempre um novo amor surgindo a cada nova pincelada, e a cada nova tela mais
emoções surgindo entre os amarelos e os lilases. Apesar desse abnóxio prazer e,
embora repetisse quase como um eco que amava sua esposa, ela sempre o fitava
com aquele olhar desconfiado. Talvez, tivesse um pouco de razão, afinal nunca
se vira pincelada pelas mãos habilidosas de Virgino.
Mãos que a noite percorriam seu corpo, invadiam
curvas, deslizavam suavemente entre suas coxas, fazendo-a suspirar de prazer.
As noites eram sempre dela, não importava o tempo que passava com aquelas
mulheres do atelier, quando a via em seu shortinho de dormir, os seios quase a
mostra numa blusa transparente, agitava-se todo e com um gesto ao mesmo tempo
suave e firme, (diria até com uma boa pegada), a tomava em seus braços e muitas
vezes iam direto pra cama, ficando o jantar sobre a mesa, às vezes até o dia
seguinte.
Nesses momentos ela esquecia tudo, até aquelas
mulheres do atelier, afinal, elas jamais o teriam, não do jeito que ela o
tinha, não com aquele arrebatamento que lhe tirava o fôlego. Mas às vezes no
meio da noite, ela acordava e ficava tentando penetrar nos sonhos de Virgino,
descobrir por que ele ficava com aquele semblante igual a quando faziam amor.
Sempre vinham a sua mente aquelas mulheres do atelier, com suas nudezas sempre
à mostra, com olhos esfomeados, com cabelos caindo sobre os ombros, ou tapando
parcialmente os seios, ou curtos acariciando a nuca, e mãos lascivas,
provocativas, ah! Virgino, quem são essas mulheres? Será que não me percebes
fora da cama? Será que não te inspiro como uma musa? Será que um dia também
serei uma daquelas mulheres do atelier?
Sempre dormia inquieta quando tinha esses
pensamentos e ficava assim durante todo o dia, mas sempre se rendia aos beijos
quentes e provocantes do marido. Sempre queria mais, quase sempre se
transportava para os corpos daquelas mulheres do atelier e assim sentia-se
pertencente aquele mundo de fantasias, de imaginação, de extravagâncias, podia
até mesmo sentir as pinceladas desenhando sua pele, a tinta espalhando-se entre
suas curvas, as cores explodindo como um orgasmo.
Numa noite, Virgino disse à esposa que teria que
sair e voltaria mais tarde, que ela não se preocupasse, eram apenas negócios, e
que ela não precisava esperá-lo. E foi assim durante várias noites. Ela nunca
disse nada, nem perguntou, apenas suspirava pela casa, e mesmo assim ainda se
entregava ao marido mesmo que ele chegasse tarde da noite.
Quando voltou naquela noite, um pouco mais cedo do
nos outros dias, entrou direto em casa, chamando pela esposa. Estranhou a mesa
posta, mas o jantar não havia sido feito, a TV ainda ligada num canal qualquer,
e um silêncio que nunca escutara antes. Chamou e como ela não atendeu correu
para o atelier, iria deixar lá a surpresa para sua mulher. Assim que ela
chegasse lhe mostraria o que andara fazendo nessas últimas noites em que se
ausentara.
Ao abrir a porta ficou pasmo, a boca num grito que
não saiu, os olhos vidrados embasbacados com a visão aterradora, os braços ao
longo do corpo como se fossem galhos derrubados pelo vento, e as mãos não
podiam controlar o espanto.
Todas as mulheres do atelier estavam mutiladas, os
corpos rasgados, as mãos desfalecidas, os cabelos sem viço, e no chão do
atelier, ainda respirando lentamente, esvaencendo-se, olhou para Virgino e para
o papel pardo que trazia, indagou-lhe apenas com o olhar, e ele percebendo o
desejo da esposa rasgou apressadamente o embrulho deixando mostrar o quadro
mais lindo que ele já pintara.
Louise então percebeu tarde demais, que todas
aquelas mulheres do atelier sempre foram ela, e agora Virgino pintara a mais
linda de todas, a verdadeira musa de sua vida, a única mulher que sempre amou.
Mas agora era tarde demais.